sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

CARTA DO III SEMINÁRIO DOS POVOS INDÍGENAS, QUILOMBOLAS E DE TERREIRO EM DEFESA DA VIDA NOS TERRITÓRIOS TRADICIONAIS HISTORICAMENTE OCUPADOS.

CARTA DO III SEMINÁRIO DOS POVOS INDÍGENAS, QUILOMBOLAS E DE TERREIRO EM DEFESA DA VIDA NOS TERRITÓRIOS TRADICIONAIS HISTORICAMENTE OCUPADOS.
 22 de novembro, 2019, Petrolina, PE

 Nós, os Povos Indígenas, as Comunidades Quilombolas e os Povos de Terreiro do Semiárido presentes no III Seminário dos Povos Indígenas, Comunidades Quilombolas e Povos de Terreiro realizado na 8º edição do Semiárido Show em 22 de novembro de 2019, entendemos que nossos diversos modos de viver são constantemente desafiados por um sistema político e econômico destrutivo e opressor, e por causa da grandeza dos desafios impostos, se faz urgente uma articulação ampla e unida a partir das singularidades, das particularidades de cada povo que deve buscar em sua organização os meios para a defesa do modo de vida que lhes é comum a partir do conflito posto pelas práticas de destruição que lhes ameaçam.

 Sabendo que o momento atual se constitui de impasses e refluxos muito preocupantes no que diz respeito às conquistas das últimas três décadas, nos diversos níveis municipal, estadual e federal, há um chamado que parte dos movimentos dos Povos Indígenas, das Comunidades Quilombolas e dos Povos de Terreiro. Esse chamado diz que nós precisamos nos conhecer e nos reconhecermos para que a trama dos nossos direitos e territórios possa tomar lugar, agindo em favor de um país onde caibam todos nós - o que é o exato oposto do que toma forma a partir das forças do atual governo e dos grupos de interesse que o suportam. O chamado é por união e por conhecimento, especialmente no sentido de que nós compartilhemos nossas estratégias de resistência e afirmação da nossa identidade étnica racial.

 O trauma da dilapidação das formas culturais, econômicas e linguísticas das populações indígenas, quilombolas e de terreiro constituiu um processo de apagamento da vida cultural deixando como herança, frequentemente, palavras soltas ao invés de linguagem, pedaços de terra ao invés de territórios, momentos de vida ao invés de uma vida inteira. E então, saber falar a própria língua é um ensinamento histórico de estratégia que foi secularmente oprimido pelo colonizador e que precisa mais urgentemente ser revitalizado para reconquistar a integridade da vida comunitária. E uma vida inteira se constitui da diversidade da própria vida que tem como desafio combater sua invisibilidade, frequentemente rompida e interrompida   nas formas da violência contra os viventes, contra os ancestrais, contra os mais velhos, contra os mais novos, contra as mulheres, homens e a natureza da diversidade sexual de cada comunidade. E é esta violência que reconhece a diversidade da qual falamos quando toma forma na exata medida em que a opressão é dirigida não contra todos, mas contra as singularidades que se reuniram no III Seminário dos Povos Indígenas, Quilombolas e de Terreiro.

 Discutir conjuntura, no presente momento, é muito difícil. É o momento delicado de levar para adiante o legado dos antepassados. A luta de uma melhor educação que custa a sair, uma melhor saúde que custa a sair, nos impondo tarefas sempre muito difíceis. A invasão e destruição de terreiros, quilombos e terras indígenas criam novas situações, sempre muito difíceis. É muito difícil lidar com a situação de desmonte das conquistas que começa a afirmar que não há terras para indígenas e negros e no desrespeito à complexidade dos terreiros e que tem no apoio de tamanha destruição a razão para o lamento de agora, após a eleição de um governo que se legitima junto a setores religiosos. Mas a hora é esta. Todos nós sabemos que as chacinas que acontecem todos os dias nas favelas nas capitais derruba quase sempre negros, e que as terras indígenas permitem quase tudo, menos o bem-viver, o que desdobra de uma arquitetura racista que impôs terra ao território. Ora, não basta morar ou estar. O que os poderes constituídos queriam deixar para as comunidades tradicionais era o aperto de uma terra acuada entre fazendeiros, o que restou da propriedade privada. No entanto, a luta pela terra até que vire território vai continuar para que seja atingido o momento de viver no espaço da convivência, o canto de encontro dos diversos modos de vida, onde se respeitam e preservam todos as formas de vida na Caatinga herdadas de nossos ancestrais.

 Orientações:
- Considerar estratégica a implantação de tecnologias sociais, principalmente com relação a melhorias no plano da segurança hídrica. 
- Fortalecer e enfatizar a visibilidade dos povos e comunidades tradicionais do semiárido. 
- Trabalhar no resgate, publicação e ensino das línguas e linguagens indígenas, quilombolas e dos povos de terreiro como forma de manutenção e preservação, estimulando o sentimento de pertença a uma forma diversa de existência.
 - Estimular e executar a titulação dos territórios em toda sua complexidade, com o respeito às distintas trajetórias de luta e o respeito à dinâmica dos povos tradicionais do semiárido.
 - Criar alternativas mais dinâmicas e viáveis para os processo de titulação de terras, considerando a autodemarcação.
 - Criação de instrumentos reguladores de políticas públicas específicas para cada povo e comunidade respeitando identidade, trajetória e modo de ocupação das diversas paisagens do semiárido.
 - Projetar, construir e consolidar os planos de educação contextualizada a serem executadas dentro dos espaços de seus territórios preservando espaço para a criação e a proteção das diversas formas de expressão de gênero e orientação sexual e afetiva. Os feminismos e mulherismos indígenas, negros e dos terreiros não comungam com nenhuma forma de violência opressora, independente de seu alvo. Os movimentos de mulheres indígenas, quilombolas e de terreiro abraçam os demais movimentos de mulheres, da mesma forma que as mulheres indígenas abraçavam as mulheres negras quando chegavam às aldeias indígenas. Esse sentimento das mulheres ancestrais ainda é atual de forma a exprimir as formas do feminino na construção dos espaços de aliança e resistência, e é preciso renovar o compromisso com a ideia de que o território também se exprime no corpo na medida em que o corpo é também território na mesma medida em que território é vida.

 Assinam essa carta as lideranças dos estados do Piauí, Bahia e Pernambuco presentes no III Seminário do Povos Indígenas, Comunidades Quilombolas e Povos de Terreiros: 
Indígenas - Pernambuco:
Truká – Cabrobó Pankararu, Pankararu Opará, Pankararu Angico, Entre Serra – Jatobá/ Petrolândia /Tacaratu Kambiwá –Ibimirim Pankará – Itacuruba Funiô – Águas Belas Atikum – Serra Umã Kiriri Chocó - Alagoas .
Indígenas – Bahia:
  Tuxí – Abaré Kiriri – Banzaê Kaimbé – Euclides da Cunha Pataxó – Porto Seguro.
 Indígenas - Piauí :
Kariri da Serra Grande – Queimada Nova .
Quilombolas - Bahia:
 Alagadiço, Rodeadoro – Juazeiro Tijuaçu , Quebra Facão, Olaria, Alto Bonito, Lajinha, Queimada Grande e Cariacá – Senhor do Bonfim São Tomé- Campo Formoso Gavião e Cajá – Filadélfia 
Quilombolas – Piauí :
 Ponta do Morro , Atrás da Serra , Campo Alegre, Chapada, Lagoa Grande – Santa Cruz Custaneira, Mutamba, Canabrava dos Amaros – Paquetá Baixão, Laranjo- Betânia Belmonte dos Cupiras, Veredão – Simões Angical, Tanque de Cima – Acauã Sombrinho, Angical, Mocambo, Tapuio, Volta do Riacho, Sumidouro – Queimada Nova Quilombo Lagoas – São Raimundo Nonato. 
Quilombolas – Pernambuco:
 Borda do Lago – Petrolândia Negros de Gilú e Ingazeira – Itacuruba Cruz dos Riachos, Santana e Jatobá II- Cabrobó Caatinguinha, Mata de São José, Remanso e Vitorino – Orocó Inhanhum, Cupira, Saruê, Noza de Gilú- Santa Maria da Boa Vista Catolé dos Índios Pretos – Serra Talhada Feijão e Posse, Pau de Leite, Araçá, Tamboril, Juazeiro Grande, Serra do Talhado- Mirandiba Araçá, Boa Vista – Afrânio.
 Terreiros – Bahia:
 Ilê Axé Omyn Dêwý , Ilê Axé OmynKayOdé, Abassý D’Oyágnãn, Unzó Congo Mutalengunzo - Juazeiro : Terreiro Tenda de Ogum – Santa Maria da Boa Vista Terreiros - Piauí Casa de Guerreiro Caboclo de Oxóssi – Paquetá.
Terreiros – Pernambuco:
Terreiro Tenda de Ogum – Santa Maria da Boa Vista .
Terreiros - Piauí :
Casa de Guerreiro Caboclo de Oxóssi – Paquetá.



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