CARTA DO III SEMINÁRIO DOS POVOS
INDÍGENAS, QUILOMBOLAS E DE TERREIRO
EM DEFESA DA VIDA NOS TERRITÓRIOS
TRADICIONAIS HISTORICAMENTE OCUPADOS.
22 de novembro, 2019, Petrolina, PE
Nós, os Povos Indígenas, as Comunidades Quilombolas e os Povos
de Terreiro do Semiárido presentes no III Seminário dos Povos Indígenas,
Comunidades Quilombolas e Povos de Terreiro realizado na 8º edição
do Semiárido Show em 22 de novembro de 2019, entendemos que
nossos diversos modos de viver são constantemente desafiados por um
sistema político e econômico destrutivo e opressor, e por causa da
grandeza dos desafios impostos, se faz urgente uma articulação ampla
e unida a partir das singularidades, das particularidades de cada povo
que deve buscar em sua organização os meios para a defesa do modo
de vida que lhes é comum a partir do conflito posto pelas práticas de
destruição que lhes ameaçam.
Sabendo que o momento atual se constitui de impasses e refluxos
muito preocupantes no que diz respeito às conquistas das últimas três
décadas, nos diversos níveis municipal, estadual e federal, há um
chamado que parte dos movimentos dos Povos Indígenas, das
Comunidades Quilombolas e dos Povos de Terreiro. Esse chamado diz
que nós precisamos nos conhecer e nos reconhecermos para que a
trama dos nossos direitos e territórios possa tomar lugar, agindo em favor
de um país onde caibam todos nós - o que é o exato oposto do que
toma forma a partir das forças do atual governo e dos grupos de
interesse que o suportam. O chamado é por união e por conhecimento,
especialmente no sentido de que nós compartilhemos nossas
estratégias de resistência e afirmação da nossa identidade étnica
racial.
O trauma da dilapidação das formas culturais, econômicas e
linguísticas das populações indígenas, quilombolas e de terreiro
constituiu um processo de apagamento da vida cultural deixando
como herança, frequentemente, palavras soltas ao invés de
linguagem, pedaços de terra ao invés de territórios, momentos de vida
ao invés de uma vida inteira. E então, saber falar a própria língua é um
ensinamento histórico de estratégia que foi secularmente oprimido pelo
colonizador e que precisa mais urgentemente ser revitalizado para
reconquistar a integridade da vida comunitária. E uma vida inteira se
constitui da diversidade da própria vida que tem como desafio
combater sua invisibilidade, frequentemente rompida e interrompida nas formas da violência contra os viventes, contra os ancestrais, contra
os mais velhos, contra os mais novos, contra as mulheres, homens e a
natureza da diversidade sexual de cada comunidade. E é esta
violência que reconhece a diversidade da qual falamos quando toma
forma na exata medida em que a opressão é dirigida não contra todos,
mas contra as singularidades que se reuniram no III Seminário dos Povos
Indígenas, Quilombolas e de Terreiro.
Discutir conjuntura, no presente momento, é muito difícil. É o
momento delicado de levar para adiante o legado dos antepassados.
A luta de uma melhor educação que custa a sair, uma melhor saúde
que custa a sair, nos impondo tarefas sempre muito difíceis. A invasão
e destruição de terreiros, quilombos e terras indígenas criam novas
situações, sempre muito difíceis. É muito difícil lidar com a situação de
desmonte das conquistas que começa a afirmar que não há terras
para indígenas e negros e no desrespeito à complexidade dos terreiros
e que tem no apoio de tamanha destruição a razão para o lamento de
agora, após a eleição de um governo que se legitima junto a setores
religiosos. Mas a hora é esta. Todos nós sabemos que as chacinas que
acontecem todos os dias nas favelas nas capitais derruba quase
sempre negros, e que as terras indígenas permitem quase tudo, menos
o bem-viver, o que desdobra de uma arquitetura racista que impôs
terra ao território. Ora, não basta morar ou estar. O que os poderes
constituídos queriam deixar para as comunidades tradicionais era o
aperto de uma terra acuada entre fazendeiros, o que restou da
propriedade privada. No entanto, a luta pela terra até que vire território
vai continuar para que seja atingido o momento de viver no espaço da
convivência, o canto de encontro dos diversos modos de vida, onde se
respeitam e preservam todos as formas de vida na Caatinga herdadas
de nossos ancestrais.
Orientações:
- Considerar estratégica a implantação de tecnologias sociais,
principalmente com relação a melhorias no plano da segurança
hídrica.
- Fortalecer e enfatizar a visibilidade dos povos e comunidades
tradicionais do semiárido.
- Trabalhar no resgate, publicação e ensino das línguas e linguagens
indígenas, quilombolas e dos povos de terreiro como forma de
manutenção e preservação, estimulando o sentimento de pertença a
uma forma diversa de existência.
- Estimular e executar a titulação dos territórios em toda sua
complexidade, com o respeito às distintas trajetórias de luta e o respeito
à dinâmica dos povos tradicionais do semiárido.
- Criar alternativas mais dinâmicas e viáveis para os processo de
titulação de terras, considerando a autodemarcação.
- Criação de instrumentos reguladores de políticas públicas específicas
para cada povo e comunidade respeitando identidade, trajetória e
modo de ocupação das diversas paisagens do semiárido.
- Projetar, construir e consolidar os planos de educação
contextualizada a serem executadas dentro dos espaços de seus
territórios preservando espaço para a criação e a proteção das
diversas formas de expressão de gênero e orientação sexual e afetiva.
Os feminismos e mulherismos indígenas, negros e dos terreiros não
comungam com nenhuma forma de violência opressora,
independente de seu alvo. Os movimentos de mulheres indígenas,
quilombolas e de terreiro abraçam os demais movimentos de mulheres,
da mesma forma que as mulheres indígenas abraçavam as mulheres
negras quando chegavam às aldeias indígenas. Esse sentimento das
mulheres ancestrais ainda é atual de forma a exprimir as formas do
feminino na construção dos espaços de aliança e resistência, e é
preciso renovar o compromisso com a ideia de que o território também
se exprime no corpo na medida em que o corpo é também território na
mesma medida em que território é vida.
Assinam essa carta as lideranças dos estados do Piauí, Bahia e
Pernambuco presentes no III Seminário do Povos Indígenas,
Comunidades Quilombolas e Povos de Terreiros:
Indígenas - Pernambuco:
Truká – Cabrobó
Pankararu, Pankararu Opará, Pankararu Angico, Entre Serra – Jatobá/
Petrolândia /Tacaratu
Kambiwá –Ibimirim
Pankará – Itacuruba
Funiô – Águas Belas
Atikum – Serra Umã
Kiriri Chocó - Alagoas .
Indígenas – Bahia:
Tuxí – Abaré
Kiriri – Banzaê
Kaimbé – Euclides da Cunha
Pataxó – Porto Seguro.
Indígenas - Piauí :
Kariri da Serra Grande – Queimada Nova .
Quilombolas - Bahia:
Alagadiço, Rodeadoro – Juazeiro
Tijuaçu , Quebra Facão, Olaria, Alto Bonito, Lajinha, Queimada Grande
e Cariacá – Senhor do Bonfim
São Tomé- Campo Formoso
Gavião e Cajá – Filadélfia
Quilombolas – Piauí :
Ponta do Morro , Atrás da Serra , Campo Alegre, Chapada, Lagoa
Grande – Santa Cruz
Custaneira, Mutamba, Canabrava dos Amaros – Paquetá
Baixão, Laranjo- Betânia
Belmonte dos Cupiras, Veredão – Simões
Angical, Tanque de Cima – Acauã
Sombrinho, Angical, Mocambo, Tapuio, Volta do Riacho, Sumidouro –
Queimada Nova
Quilombo Lagoas – São Raimundo Nonato.
Quilombolas – Pernambuco:
Borda do Lago – Petrolândia
Negros de Gilú e Ingazeira – Itacuruba
Cruz dos Riachos, Santana e Jatobá II- Cabrobó
Caatinguinha, Mata de São José, Remanso e Vitorino – Orocó
Inhanhum, Cupira, Saruê, Noza de Gilú- Santa Maria da Boa Vista
Catolé dos Índios Pretos – Serra Talhada
Feijão e Posse, Pau de Leite, Araçá, Tamboril, Juazeiro Grande, Serra do
Talhado- Mirandiba
Araçá, Boa Vista – Afrânio.
Terreiros – Bahia:
Ilê Axé Omyn Dêwý , Ilê Axé OmynKayOdé, Abassý D’Oyágnãn, Unzó
Congo Mutalengunzo - Juazeiro
:
Terreiro Tenda de Ogum – Santa Maria da Boa Vista
Terreiros - Piauí
Casa de Guerreiro Caboclo de Oxóssi – Paquetá.
Terreiros – Pernambuco:
Terreiro Tenda de Ogum – Santa Maria da Boa Vista .
Terreiros - Piauí :
Casa de Guerreiro Caboclo de Oxóssi – Paquetá.